A vida de todos os humanos tem sofrido uma série de transformações rápidas, especialmente, em virtude do desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (conhecidas pela sigla NTIC). Naturalmente que as grandes mudanças tecnológicas não residem apenas nos meios de informação e comunicação, estão ocorrendo com a mesma velocidade em quase todas as áreas do conhecimento humano, com certo assento nas áreas de exatas (as engenharias, física, química, etc.) e nas biomédicas (farmácia, medicina, veterinária, etc.).
Assusta-nos a todos esta velocidade; bem, não a todos, apenas as gerações – digamos – mais maduras. Para as crianças e adolescentes as mudanças fazem parte de sua vida cotidiana como fazia parte de minha adolescência jogar pião, bolinhas de gude ou fubeca, jogar bafo, e outras tantas brincadeiras. O novo estilo de vida imposto pelas NTIC vão moldando os novos rumos da sociedade e da cultura e nos colocam a reflexão como perda de tempo.
Isto implica no surgimento de um novo cristianismo que influenciado pelas novas maneiras de ser na sociedade empurram os cristãos a serem mais superficiais, desconheceram as doutrinas bíblicas fundamentais e a forjarmos o surgimento de igrejas “fast-food”, ou seja, o lugar aonde eu chego e tudo esta pronto para o meu consumo; isto mesmo : CONSUMO. O silêncio, a meditação, a reflexão e o serviço a Deus e ao próximo estão correndo grandes riscos pelo surgir de uma nova maneira de ser igreja. Talvez você pense : o pastor é retrógrado, está ultrapassado. Bem, isso é possível, afinal eu nasci na metade do século XX e tenho grandes dificuldades com a aceleração das mudanças tecnológicas e sociais. Porém, por ser de uma geração que sofreu os primeiros impactos dessas transformações, e que luta para se atualizar, carrego comigo a capacidade de refletir diante desta nova sociedade e verifico as fragilidades de nossas igrejas, dos grupos de novos convertidos, como são levados pelos ventos de doutrina, como a estética do culto e o prazer pessoal são mais importantes do que o conteúdo do culto, a memória coletiva, o construir o conhecimento doutrinário, o conhecer e vivenciar as maravilhosas heranças que possuímos.
Dito isto, eu quero “quaresmar” ou auxiliar você minha irmã, meu irmão, a buscar a razão do vivermos a quaresma, que no passado era um tempo paradoxal de reflexão, de certa tristeza, de expectativa e alegria. Isto acontecia porque a quaresma nos leva a procurar os textos da bíblia que nos conduzam aos dias finais do ministério terreno de Jesus e neles nos encontrarmos com a Cruz de Cristo e também com a sua ressurreição. A Cruz... lugar de sofrimento no qual eu me encontro e me vejo como em espelho; imagem horripilante criada pelos meus pecados que geram a morte, a morte de Jesus, pois para a Cruz ele carregou, com angústia, sofrimento, tristeza e muita dor os meus pecados.
Ao ler e refletir sobre os textos da crucificação vejo uma imagem que hoje seria uma foto digital ou vídeo, uma imagem desfocada do ser humano, corrompido pelo pecado. Na sequência de imagens da Cruz me vejo e me encontro, imperfeito, desajustado, corrompido, afastado da vida, no corredor da morte.
Na imagem de Jesus na cruz acontece o improvável, a libertação ! O olhar de Jesus Cristo dirigido a nós lá do alto do madeiro maldito é perdoador, é amor puro, incontestável, constrangedor, seus gemidos tornam-se apelos de aceitação de seu gesto a nosso favor, suas dores são nossas, seu sangue é dado gratuitamente para redimir o pecador que sou eu. Um cristianismo verdadeiro, que não cobra, se oferece, se doa, que está morrendo para salvar. Não é “fast-food”, exige contrapor o pecado, refletir a dor da morte, aceitar que há preço e alto na salvação. Não haviam anjos, nem levitas, não haviam corais e louvores, não haviam amigos (a não ser um apóstolo e algumas mulheres aos pés da cruz), não havia glamour, nem palmas, nem danças, nem o soar de trombetas. Dor, angústia, amargura, gemidos, deboches, tristeza, neste sentir de Jesus estava e está a salvação.
“Quaresmando” mais um pouco, lembro que vivemos este tempo em que cada cristão deveria estar preparando-se para viver com intensidade e testemunho a razão da salvação, vivendo com intensidade e testemunho a esperança da vida eterna. Todavia já nos preparamos financeiramente para gastar nossos míseros trocados com o deus comércio, já estamos planejando nossos gastos com a páscoa, afinal tudo se transforma e a Páscoa não é mais de Jesus e nós não podemos ficar de fora desta torrente infame que transforma conceitos e arranca de nós não só dinheiro , mas as convicções doutrinárias e nos joga no limbo do cristianismo supérfluo, vazio de significado, incapaz de luta pela verdade, corrompido pelos prazeres individuais, aliás os mesmos aos quais Eva sucumbiu e Adão acolheu como verdadeiros. Não se assuste mas a serpente continua a dizer-nos o que fazer e anulamos com nossas ações irreflexivas, com a ausência do “quaresmar” o poder que vem da Cruz de Cristo. A torrente é veloz, a voz da serpente ainda é mansa, suave e sagaz, aponta para os nossos maiores desejos e prazeres como sendo os únicos importantes, por isso sucumbimos, nos dobramos e adoramos ao deus do nosso ventre, ao deus comércio, ao deus que não pode salvar.
Minha irmã, meu irmão, ainda é tempo, “quaresme”, olhe para a cruz, enxergue-se no maldito madeiro, viva a Páscoa de Jesus, viva a Páscoa com Jesus. Ele sim ama, e por isso pagou um alto preço por nós. Não pare, continue “quaresmando” !!!
Abraços, Pastor Marcos